sexta-feira, dezembro 10, 2010

A Partilha

Certa vez acompanhei um experimento muito curioso.

Trancaram numa sala um grupo de pessoas e um bolo grande e enfeitado. Bem caprichado, daqueles que parecem combinar tudo o que há de bom.

Tudo estava bem por ali. Ninguém estava chateado comendo aquele bolo delicioso, cada um pegava um pedaço atrás do outro e todos brincavam e sorriam em volta da mesa.

Durante muito tempo foi assim.

Então alguém esticou a mão para pegar um pedaço e afirmou gravemente:

- O bolo acabou!

- Como assim acabou? – perguntaram juntos todos os outros.

- É isso mesmo, vejam! O bolo acabou! – afirmou atônito o primeiro.

Então foi uma confusão dos diabos.

As pessoas não podiam acreditar naquilo! O bolo deliciosamente preparado para elas havia terminado! Como poderia ter acontecido isso?

Naquele momento alguém levantou da mesa, apontou o dedo para uma das outras faces e bradou:

- Foi você! Eu sempre soube! – Gritou com o sangue aparente pulsando na testa avermelhada – Foi você quem comeu mais pedaços e acabou com o nosso bolo!

- Eu não! – Respondeu assustado o acusado que se tremia inteiro – Comi tanto bolo quanto qualquer um aqui!

- É mentira! – Afirmou outro quase em desespero - Eu comi apenas um pedaço de bolo enquanto conversava aqui com meu amigo. Não é justo! Eu mal senti o gosto dele! Nunca me deixaram comer deste bolo!

Instalou-se a confusão.

Todos estavam gritando. Um dos rapazes, mais forte, teve ganas de quebrar o pescoço do acusado ou de qualquer um que tivesse comido mais de dois pedaços! Foram precisos dois para segurá-lo enquanto outros fugiam.

Muitas pessoas choravam compulsivamente pelo fim do bolo. Diziam que nunca mais haveria outra coisa para fazer naquela sala.

Fizeram gritos de guerra e um pequeno grupo se reuniu no fundo da sala com cartolina e canetas, que rabiscavam violentamente criando cartazes com ameaças de morte aos que comeram o bolo.

Instalou-se um inquérito.

Aqueles de veia investigativa recolhiam pratos e bandejas e analisavam as evidências. Outros criaram uma comissão para decidir qual deles estava habilitado para se tornar um juiz imparcial dos fatos.

Em menos de alguns minutos formou-se uma forte oposição! Já haviam instalado uma CPI sobre o inquérito que, diziam, havia sido manipulado.

Alguém se juntou a mais três e formaram um exército que ainda não sabia para quem trabalhar.

Muitos se acusavam e, durante uma briga, houve um ferimento no olho. Um médico entre eles estava sendo requisitado com urgência.

Outros já não se lembravam mais o motivo da bagunça, mas aproveitaram o embalo para reclamar que por ali não havia condições dignas para ficar.

Todos desconfiavam de todos. Todo mundo se sentia lesado e no direito de receber seu pedaço. Ninguém queria abrir mão da sua parte!

Não perceberam que lutavam pelo ideal do bolo. Brigavam agora pela parte que deveriam ter recebido daquele bolo que um dia existiu. E não mais.

Havia tantos motivos para discutir e tão poucos para fazê-los parar.

Àquele bolo esquecido misturava-se rancor e amor.

E já não sobravam nem migalhas pelas quais brigar.

“As pessoas defendem seus interesses mais ferozmente que os seus direitos” – Napoleão Bonaparte

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