quinta-feira, setembro 14, 2017

Uma breve análise sobre Arte e o caso Queermuseu + Santander

"Fonte", de Marcel Duchamp, 1917.


Uma Exposição de Arte não é composta apenas por objetos: quadros, esculturas, etc. Uma Exposição de Arte é a soma de suas obras + contexto. Existiu um cara no mundo das artes que nos provou isso causando um rebu tão grande quanto ou maior ainda do que o que vemos hoje no caso Queermuseu + Santander.

Certo dia esse artista, chamado Marcel Duchamp, decidiu comprar um urinol em uma loja e inscreve-lo como obra na Exposição dos Artistas Independentes de 1917. Naquela época este movimento também causou furor público. As pessoas repudiaram o objeto e os juízes da exposição não queriam por nada no mundo aceitar aquela coisa como uma obra válida.

Duchamp foi execrado, mas sua obra "Fonte" tornou-se a mãe da arte moderna. Isso porque o que ele queria mesmo com aquele feito era que as pessoas pensassem na seguinte questão: Isso é arte?

O trabalho de Duchamp foi um passo importante no caminho da reflexão ao extravasar justamente o contrário do que as obras propunham (ou eram) até aquele momento, já que as artes clássicas tratavam-se das obras por si, dos belos quadros e da escultura clássica, muito mais do que do contexto no qual estavam inseridas. Marcel Duchamp fez o caminho contrário e, ao apresentar um urinol numa exposição, introduziu ali um elemento que não tem nada de artístico, investindo apenas no contexto de estar em uma exposição de arte. O objeto deixou de ser e passou a estar. Um grito pela liberdade artística.

O artista alcançou seu objetivo e até hoje refletimos a respeito.

Voltando ainda mais no tempo, outro artista chocou o mundo das artes ao realizar uma pintura realista do ventre e da vagina de uma mulher - em posição bastante audaciosa – e chama-la de “A origem do mundo”, tudo isso no ano de 1866. Gustave Coubert atendia a uma encomenda com um objetivo e, vamos reforçar, isso aconteceu em 1866! Coubert era odiado pela Academia e lutava bravamente contra o “puritanismo renascentista”. E é preciso lembrar também que a obra está aí para todos verem, exposta até hoje no Musée d’Orsay, em Paris, na França, sem censura.

Porém, quando falamos destes casos, estamos introduzindo aqui exemplos que foram pensados como um todo, artistas que investiram em chocar o público somando arte + contexto de forma crítica, nos fazendo pensar ao longo dos séculos.

Assim como no caso Queermuseu + Santander, temos de levar em consideração que obras chocantes demandam ainda mais investimento no quesito contexto.

O erro da recente exposição me parece óbvio: Descontextualizar as obras e jogá-las no colo de um país onde 96% da população não frequenta museus e 93% nunca foi a uma exposição de arte (Fonte: IBGE), agravado ainda pela indicação de “exposição para o público jovem”.

Puritanismo à parte, é importante salientar que os números citados tornam bastante clara a necessidade de abordar certos assuntos de uma forma diferente. Chocar não é o problema, o problema é não atingir e reflexão do público na sequência.

Neste sentido, analisando criticamente, faltou atenção e discernimento por parte dos promotores para lembrar que uma exposição não se trata apenas de “juntar obras interessantes ou importantes”, o objetivo da arte moderna é nos fazer pensar, sentir e vivenciar, inclusive quando fora dos padrões sociais, de forma crítica. Ler corretamente o público é tão importante quanto a exposição das obras em si.

Se o público não compreendeu a exposição como um todo, então houve um erro, inclusive artístico. Quando a reflexão é trocada pelo ódio, pela repulsa pura e simples, perde-se o objetivo da exposição.

Afinal, o objetivo da arte moderna é chocar ou nos fazer pensar?

Dica: Para quem deseja compreender melhor a arte moderna e suas motivações, indico o excelente livro "Isso é arte?", do Will Gompertz, publicado no Brasil pela editora Zahar.