quarta-feira, maio 30, 2012

Rave


Lembro-me dos dias que começavam com viagens pela madrugada. Que traziam cada indivíduo e retornavam apenas um. Dentro dos corpos fervilhantes dos quais não segurávamos os gritos de amores, amigos e amantes.

As saudades que aumentavam junto ao som da fila interminável, naquelas fazendas semeadas de pastagens e veículos. Também dos copos que se esvaziavam fugazmente entre nossas gargalhadas e a ansiedade dos sorrisos.

Lembro do gosto das entradas e saídas, dos óculos escuros, das bermudas e das bebidas. Tudo que antecedia o longo tempo entre o portal e a revista. Passávamos então pela dimensão da letargia, puxados pela forte sincronia das batidas. Sem anseios e longe da solidão proclamada, pasteurizada e entregue em todos os outros dias.

De longe vêm o cheiro e o sabor da música que cala por completo o silêncio. Aquele distanciamento de tudo que não sejam corpos, braços e abraços, do melhor lado das nossas almas gêmeas. E disso tudo nada mais parecia proibido.

O carinho dos braços e pernas que puxam, empurram. Dentro e fora do núcleo, como átomos que atraem e repelem. Como partículas minúsculas que se unem e agigantam para dar ao corpo, vida. Também do carinho dos olhos fechados, que cegam preconceitos e fachadas.

A visão das dunas concêntricas de luzes e fumaça que não cessam seu caminho entre as peles fumegantes. Repelem-se ao vento, no calor dos ritmos absorvidos, ao som das ondas que jorram daquelas caixas e nos violam os ouvidos.

E assim vivemos como únicos, como naturais, reunidos em apenas um indivíduo. Amigos transmitindo a pulsão ritmada dos sorrisos, até o momento em que a noite alcança seu destino. Eis que o astro chega cortejando toda a natureza do ambiente, sem enviar convites.

O negrume foge do azulado que se eleva e, com ele, ficam nossas almas entrelaçadas sem nós nem angústias. Vêm em câmera lenta os raios que douram e abençoam nossas faces e ombros, fazendo elevar gritos, brindes, braços e o calor, que lentamente parece relaxar e substituir os músculos exauridos pelo mais puro amor ao ritmo.

Ao baque surdo dos desejos e das batidas, que absorvem do solo a energia e não deixam cansar nada além dos males, do suor e dos sentidos. A alegria renovada pelas graças e cheiros do sol da manhã e pela proximidade dos nossos entes mais queridos.

Mais vivos do que nunca, mais vivos do que jamais pareceu possível. Ao ritmo que embarca cada momento daqueles dias, os mais unidos que podíamos ter vivido.

terça-feira, maio 15, 2012

Quadros


Os quadros são como gritos.
Seu significado está em nós, não neles.

Amor em forma de sonho



Era um amor em forma de sonho
O riso frouxo e o querer imenso
Nos dias quentes sem pendências
Nos dias frios das longas queixas

Desorientado como uma criança
Buscando os braços que alcançam e pegam
Um contudo de saudade e proteção
No calor das pernas que afastam e levam

Podia sentir a dor áspera nas têmporas
Das brigas que não dão trégua ligeira
Nenhum dos lados que estão errados
Tanto ou mais certos das suas tristezas

Não são dos lábios estas palavras
São da alma que não sossega
Na brigada de um tenente morto e esquecido
No centro de uma velha guerra

Queria mais da própria sorte
Um espaço longo entre fim e começo
Mas quem foi que disse que a sorte sorri
Para quem se perde nos próprios tropeços?