segunda-feira, agosto 09, 2010

O Senhor das Especiarias

Contava um amigo meu que numa das viagens que seu avô fez pelo mundo encontrou, em Istambul, numa viela perdida pela cidade daquelas que não vale a pena descrever, uma loja muito curiosa. Nada fácil de encontrar, por sinal. Mas tenho certeza de que isso também fosse proposital.
Dada a fidelidade de seu relato, achei justo que cada um tire suas próprias conclusões.

Quando pousamos em Istambul, decidi caminhar todo o dia em busca de novidades. Não era a primeira vez que me encontrava com tempo de sobra na Turquia e como já conhecia todos os pontos turísticos imperdíveis, decidi conhecer mais a fundo o Bazar Egípcio (ou dos cereais), aquele que também é conhecido como Bazar das Especiarias.
História e arquitetura podem mudar lentamente e fazerem com que visitar algumas cidades do mundo meia dúzia de vezes se torne tedioso, mas as especiarias que encontramos pelo mundo são infinitas.
Cansado de esperar pelo próximo vôo, resolvi bisbilhotar uns becos em busca de algo novo. Foi assim que encontrei aquela lojinha apertada numa ruela de Eminörü, conversando num grego arranhado com um rapaz muito engraçado pelo caminho. Este rapaz prometeu me levar a um lugar realmente novo.
Caminhamos conversando o tempo todo. O rapaz não queria que eu prestasse atenção no caminho e eu, confiando plenamente nas suas boas intenções, resolvi entrar no jogo e continuar engajado naquela conversa sem fim, não dando muita bola por onde passávamos.
Depois de caminharmos por muito tempo o rapaz parou bem em frente a uma loja carregada de cheiros que variavam do ácido e sulfuroso ao acre amargo, que podiam ser sentidos pelo nariz e pela boca ao mesmo tempo. Tudo misturado ao incenso forte que queimava sem parar no balcão.
O rapaz avaliou por um tempo os temperos, sempre mexendo em vidros e pacotes que estavam à mão, até que surgiu de trás das prateleiras um homem atarracado de pele escura e muito, muito velho.
Ambos ficaram em total silêncio até que o homem velho olhou para mim. O jovem prontamente interveio falando algo em persa que meus conhecimentos lingüísticos não permitiram entender.
Dialogaram um pouco naquela língua antes do rapaz afirmar jovialmente (ainda bem, novamente em grego) para mim: “Este senhor das especiarias vai levá-lo à sua loja agora!”.
Caminhamos novamente pelas ruas mais curiosas da antiga cidade amurallada sem trocar palavra, até chegarmos ao que parecia uma casa muito simples.
Ele apontou para mim uma porta lateral do que parecia um ambiente anexo mais antigo que a própria casa. Entrei no quarto com as luzes apagadas enquanto o homem dizia algo para o rapaz, que ficou do lado de fora.
Entrou e caminhou para trás de um balcão de madeira que consegui delinear pela luz da porta da rua, que ficara entreaberta. Quando terminou de acender as três velas no lado esquerdo do balcão pude ver uma grande quantidade de jarros e potes num estilo bizantino, um romano tardio, que deixariam qualquer curador de museu com inveja.
Foi então que o homem se dirigiu a mim pela primeira vez, falando em grego:
- Esta é a loja das especiarias mais incrível de toda Fatih. Talvez de todo o mundo! – Com uma risada gostosa ao terminar a frase. - Aqui você pode escolher as especiarias que mais precisa na sua despensa. Mas é importante que escolha com muita atenção, pois você só pode levar 3 especiarias de uma vez, já que são todas muito raras!
Pensei que fosse algum tipo de brincadeira, mas aquelas peças de arte não podiam fazer parte de um simples joguinho. Notei que não havia nenhuma identificação nos potes.
- Mas quais especiarias posso encontrar nestes postes? – Indaguei ainda pensando como tudo aquilo parecia uma brincadeira que me faria perder ainda mais tempo do que esperar pelo vôo no aeroporto.
- Nestes potes estão todos os temperos que você precisa para melhorar seus pratos. Pode fazer grandes banquetes para seus amigos e família! – Disse com mais uma gostosa risada ao final que, junto com as velas, deixava seu rosto quase infantil.

Ficou parado, esperando que eu reagisse de alguma forma, falasse algo ou tomasse alguma atitude. E, por ter imaginado isso, resolvi agir.
Abri um grande pote que se encontrava bem na minha frente, ao alcance das mãos. Não vi nada ali dentro, estava aparentemente vazio.
Ainda sorrindo o homem olhou para mim e fez um gesto de aproximação, apontando para o pote vazio.
Cheguei meu rosto bem perto do pote e dois segundos depois senti um aroma que dominou todo o ambiente. Um cheiro muito suave de ar fresco, levemente cítrico e doce invadiu minhas narinas. Imediatamente meus lábios se esticaram preguiçosamente num profundo sorriso de satisfação.
Levantei o rosto e percebi assustado que o homem parecia trinta anos mais jovem.
- Este pote está ao alcance das suas mãos para que nossos visitantes não se assustem ao conhecer nossas especiarias. Este é o pote da juventude, que traz ao coração todas as belezas e delicias de viver e ao corpo uma boa dose de vitalidade. – respondeu o homem a todas as perguntas, mesmo sem eu ter perguntado nada.

Percebi então que estava num lugar especial. O homem havia coletado naqueles potes todos os temperos de que nossas vidas necessitam.
Só não sabia o que mais poderia encontrar...
Questionei, por segurança, mesmo imaginando que aqueles potes sem nome deviam ter um propósito:
- E como posso saber qual pote devo escolher para conseguir o que me falta na vida?
- Posso lhe revelar o conteúdo de mais um dos potes, se quiser. – respondeu o homem com um olhar misterioso.
Pensei muito bem sobre qual tempero mais faltava na “minha despensa”. Pensei por muitos minutos enquanto o homem polia um dos potes que estavam no balcão.
Considerei que poderia conquistar beleza, alegria ou paixão sem fim naqueles potes. Não encontrava em mim um consenso sobre quais sentimentos seriam mais importantes.
Como não chegava a nenhuma conclusão, resolvi buscar um tempero que pudesse me ajudar a escolher bem os dois próximos:
- Por favor, o senhor pode me apontar onde está a sabedoria?
Foi então que o homem parou de polir o pote. Com um sorriso ainda mais largo retirou sua tampa e esticou o braço por cima do balcão.
- Apenas um homem sábio consegue fazer a melhor escolha em detrimento de todas as outras necessidades. Aproveite sua sabedoria, pois ela lhe revelará o conteúdo de todos os outros potes.
Aspirei o conteúdo daquele recipiente com satisfação, enquanto percebi que prontamente todos os outros potes começavam a fazer sentido para mim. A alegria estava bem ao meu lado, porém no alto de uma prateleira, onde minha vista não podia alcançar sem algum esforço. A fortuna estava num pote dourado, bem no fundo do balcão, num lugar difícil de chegar. Todos os demais potes estavam devidamente arrumados de forma a facilitar ou dificultar o acesso aos seus conteúdos.
Foi então que voltei os olhos para o homem e perguntei:
- Por que não consigo escolher o melhor dentre todos estes temperos maravilhosos?
Com muita calma e com o sorriso constante no rosto o homem revelou o que parecia ser um segredo para mim:
- Depois de experimentar a sabedoria você pode escolher qualquer tempero da minha loja, pois foi assim que também me tornei o senhor das especiarias. Sua escolha foi sábia e refletida, porém você vai perceber que qualquer tempero que escolher excluirá todos os outros que também são essenciais.

E foi assim que decidi deixar aquela loja sem levar qualquer outro tempero além das já experimentadas jovialidade e sabedoria, pois ambos pareciam manter o corpo e a mente na sua melhor forma.
Saí da loja com o homem ao meu lado. Ele estava mais jovem e me explicou pelo caminho que assim mantinha sua loja aberta desde os tempos mais remotos do império bizantino, sempre procurando novas especiarias pelo mundo.
Eu estava também renovado e agora podia ver Istambul com novos olhos, sem deixar de ser eu mesmo. Era como se a sabedoria dos anos tivesse passado como uma brisa pela minha vida.
E realmente tinha.
Ao chegarmos à loja no Bazar Egípcio o jovem estava lá, esperando para levar-me de volta ao aeroporto.
Antes de sair o senhor das especiarias estendeu a mão, oferecendo-me um frasco transparente que mesmo à sombra do bazar, parecia muito cristalino. Em suas últimas palavras antes de sumir atrás das prateleiras ele disse sorrindo:
- Cada um leva da minha loja tudo o que necessita. Por isso aceite como um brinde este frasco de amor próprio, que sempre o lembrará que minha loja estará por aqui. Esteja você onde estiver!

Segui o rapaz até o aeroporto em silêncio, enquanto refletia sobre todas as maravilhas que estava deixando para trás e nos tesouros que levava agora comigo.
Embarquei pensando finalmente que todos aqueles potes mágicos possuem, fechados, um conteúdo muito maior do que cada frasco traz dentro de si:

Eles nos fazem refletir profundamente sobre a nossa despensa e tudo o que ela necessita.

Decididamente Istambul é um lugar mágico como nenhum outro!

2 comentários:

Unknown disse...

amei!!!!
simplesmente maravilhosooooooo!!!!
que texto lindo!!!!!!
parabens eilorzitoooo querido!!!!
bjocas

Unknown disse...

Eba!! Valeu Manuuuuuuu!
Beijo