sexta-feira, dezembro 11, 2009

Determinismo Revisado

Acorda tarde demais, ainda antes do sol nascer, e esquenta a água para fazer o café forte.
Acorda cedo demais com o barulho dos carros e corre para acordar os filhos para a escola.

Toma café da manhã sozinho, monta na pick-up mastigando uma maçã e sai.
Toma café da manhã na cozinha, derruba pasta de dente na gravata e sai.

Uma vez por semana salta do carro para içar o galho de árvore que interrompe a estrada e lhe corta as mãos.
Duas horas por dia de trânsito para chegar ao trabalho, sem hora para voltar pra casa ou almoçar com os colegas.

Abre a porta de ferro e varre a poeira com a vassoura de palha, tira o pó dos cantos e das prateleiras, separando as folhas de fumo dos sacos de ração para animais.
Abre a porta de vidro e acena para a secretária, enquanto espalha os papéis sobre a mesa e limpa a sujeira do teclado do computador.

Abre discurso com o encarregado para organizar as vendas do dias, depois sobe as escadas do sótão com a calculadora numa mão e o bloco de notas na outra.
Abre a palestra do superior com dezenas de planilhas, depois sobe as escadas do prédio para pegar as assinaturas que faltam para o projeto.

Não são nem dez horas quando o advogado bate à porta. Ouve quieto sobre os problemas da hipoteca, em seguida o encarregado pede demissão.
Não são nem quatro horas quando desce pelas escadas com os braços ao lado do corpo e o ombro caído sem nenhuma aprovação.

Às quatro ele coloca a placa de “contrata-se” na entrada do armazém e desce a porta.
Às sete ele busca as crianças na escola e segue pra casa com o rádio falando notícias.

Explica para a mulher compreensiva o acontecido, que lhe faz um agrado antes de jantarem juntos na pequena mesa que divide a sala de jantar da cozinha.
Ignora a mulher quando entra em casa, desce para a luxuosa sala de estar com o whisky na mão.

Senta-se na cadeira de madeira da varanda esfregando as pernas sob o sol do fim de tarde que alegra e doura o verde esperança das montanhas e o sorriso de verão.
No sofá da sala, em frente à televisão sente o azedume da camisa e o torpor da bebida enquanto se martiriza pela falta que lhe faz o tempo de criança.

Não vemos o mundo do jeito que ele é, nós o vemos como somos.

3 comentários:

Eilor.A.Marigo disse...

Hummm.. que prosa interessante, sô.
Hummm.. que texto legal cara!

Tati disse...

escreve mto esse meu amigo.
seus textos, para mim pertencem a uma única escala que varia do legal (+-), bacana (+) e duka(+++). esse entrou na escala máxima!!
adorei!
bjokas

Unknown disse...

Olha que elogio bacana! Obrigado Tati, de verdade!
Valeu pai!
Beijos