quinta-feira, setembro 16, 2010

Dois Relógios

Na casa de um homem havia dois relógios.

Um deles fora construído em madeira escura e maciça. Fazia movimentos graves e rigorosos desde os ponteiros até o badalar das horas. E como estava naquela casa há muito tempo, autoridade maior nas horas não havia.

O outro era um relógio menor, porém não menos notável. De aparência pouco mais moderna e com mecanismo de movimentos suaves, era delicadamente decorado, além de infinitamente mais bonito.

Era impossível ao relógio maior, dada sua imponência e tamanho, merecer qualquer outro lugar da casa que não entre as salas de estar e de jantar. Enquanto isso o relógio menor encontrava-se fixado na parede, ao final do corredor dos quartos, sobre um maravilhoso aparador de marfim.

De forma alguma aqueles aparelhos competiam em sua casa. Não havia quem não notasse a presença das suas peças, seja pela imponência ou pela beleza.

Apesar de passar a maior parte do tempo despercebido com seus movimentos firmes e silenciosos, o relógio maior reforçava sua presença com o badalar das horas. Cada hora do dia fazia soar um volumoso big-bang das suas entranhas, que tornava a proeza de esquecê-lo uma tarefa impossível.

Enquanto isso o outro relógio, que não badalava, chamava atenção pela beleza das formas e, assim, atraia para perto todos que passavam pelo corredor. Esta atração era como uma armadilha, que de perto fazia ouvidos ao leve e agradável sibilar do ponteiro dos segundo que, suavemente, em compasso, rangia.

Naquela casa havia harmonia em todos os sentidos. E não seria diferente se não fosse um pequeno detalhe que perturbava o homem que lá vivia: não havia acordo entre os horários dos relógios!

Estando na casa há mais tempo o grande relógio de madeira já tinha suas manias conhecidas, incluindo a mais irritante: a pressa. Aquele relógio sempre adiantava alguns segundos durante o caminhar do dia.

Por este motivo o homem decidiu comprar um relógio novo. Não queria algum excessivamente moderno no estilo, pois precisava haver harmonia, mas um que compensasse nos seus mecanismos o descompasso do outro.

Assim surgiu na casa aquele novo relógio sobre o aparador de marfim, que não apenas resolveu a pressa do outro, mas fez muito mais que isso: atrasava os segundos na mesma proporção que o relógio antigo adiantava. Todos os dias.

No final da primeira semana, quando foi acertar o relógio antigo, o homem percebeu que não havia alguns poucos minutos de diferença entre eles, como era de se esperar, mas algumas dezenas deles!

A princípio o homem ficou desapontado. Seu problema parecia, finalmente, sem solução.

Como havia trocado alhos por bugalhos e não desejava comprar um novo relógio, o homem procurou pensar num jeito de resolver a situação.

Não havia mais harmonia na casa! Os relógios estavam descompensados!

Pensou durante muitos dias.

Sentia uma ponta de inveja toda vez que passava em frente à igreja da praça e olhava para o enorme relógio da torre, como sempre inquestionável.

Assim sucedeu até que o homem chegou à solução definitiva!

Se o relógio velho atrasava e o novo adiantava numa proporção similar, por que não ajustá-los perfeitamente conforme estas proporções?

Foi assim, com a solução mais simples de todas, que o homem tomou uma decisão acertada: Na primeira semana ajustou o relógio antigo de acordo com o novo. Na semana seguinte o relógio antigo estaria corrigido. Na outra semana, então, ajustaria o relógio novo conforme o antigo. E, mais uma vez ainda, na semana seguinte, o novo estaria corrigido.

Da diferença de ambos nascera um acordo: A média de horas certas, todos os dias, num ciclo interminável de ajustes repetidos.

Desde então nunca houve naquela casa sinônimo mais bonito de harmonia:

Os relógios que não se entendiam marcavam “horas certas” quase nunca. Mas, no final, juntos, anulavam seus erros e, semana após semana, se corrigiam.

3 comentários:

Unknown disse...

PERFEITO!!!!!!!!

Unknown disse...

Ninguém é igual, nem perfeito. Mas sempre podemos nos ajustar ;-)!
Obrigado!

D disse...

Achei o texto pela imagem e não me arrependo de ter lido tudo, muito bom, parabens.