quinta-feira, março 03, 2011

Visita ao Passado

Visitar o passado é uma tarefa comum a todos nós. Quem nunca recordou um momento, escutou novamente uma música ou assistiu muitas vezes um filme para experimentar quais sentimentos o acompanhariam?

Seja um local físico ou uma lembrança, tal como uma flor guardada entre as páginas de um diário ou a recordação de uma viagem, o passado remete a uma série de sentimentos. Mas seriam estes sentimentos sempre os mesmos ou estariam todos em constante mutação?

“Visitar o passado é como uma porta que se abre diante de uma estrada cheia de caminhos e, por mais que se repita a viagem, um caminho nunca será igual ao outro”.

Este é um ponto de vista semelhante ao meu e que nunca encontrei tão bem sintetizado quanto nesta frase. Isso me intriga já faz muito tempo!

Quando era pequeno e minha família decidiu demolir nossa casa no sítio em Jundiaí para construir a casa atual lembro-me de ter visitado a obra várias vezes. Numa dessas visitas ajudei os pedreiros a derrubarem uma das paredes do quarto dos meus pais. Ali seria, futuramente, o banheiro do meu próprio quarto.

Quando a parede veio abaixo num estampido seco sobre o concreto percebi, como uma criança preocupada, que havia derrubado a parede de casa. Um prego amassado que sustentava o quadro sobre a cabeceira da cama dos meus pais caíra bem perto do meu pé. Corri para casa, coloquei-o dentro de um envelope de lembranças no criado mudo e, inevitavelmente, durante várias arrumações, encontrei aquele prego novamente. Lembro-me de já ter sentido por ele compaixão, alegria, tristeza, saudades, amor, pena e, finalmente, vergonha por guardar um prego velho e enferrujado. Um prego tão velho que nem parece mais importante.

Um dia decidi jogá-lo fora. E o fiz. Naquele momento não houve sentimento. O prego já tinha sido visitado o suficiente e fora para o lixo.

Se arrependimento matasse, aquele prego ainda estaria comigo. Dei a ele um presente mais digno. Ninguém deseja ser, para sempre, um prego amassado.

Alguns anos depois, visitando o velho envelope, decidi que não queria mais saber do passado. Percebi que as pessoas que o visitam constantemente acabam se enganando em relação aos seus próprios sentimentos.

É visceral observar alguém que se depara com a sua própria história. Nunca podemos repeti-la com exatidão. Os momentos chegam até nós como numa brincadeira de telefone sem fio e quem brinca conosco é um bando torto de sentimentos.

Hoje, quando observo pessoas bebendo do riacho das “águas passadas” e sentindo-se culpadas, gosto de imaginar que decoraram um caminho sujo, longo e nebuloso demais para fazer suas visitas ao passado. E a cada visita o caminho difere do anterior. Raramente difere o suficiente para que o passado se perca ou seja deixado para trás.

Por mais que o passado pareça estático, não é.
Não é estático por que o caminho até ele muda o tempo.
Assim, uma flor em um diário não é apenas uma flor seca entre páginas de histórias.
É um caminho percorrido várias vezes.
Ida e volta.
O suficiente.
Até, enfim, torna-se apenas uma flor seca a ser retirada dali.

3 comentários:

Mari Pizzoccaro disse...

Lindo esse post!
Me identifiquei muito com tudo!! Já passei várias vezes por momentos como este!
Incrível como coisas materiais sempre guardam um sentimento junto.
Gostoso ter lido este texto..
Beijo!

Unknown disse...

Que bom Maricota!
Quando as pessoas se identificam é muito mais gratificante! =)
Beijos!

Unknown disse...

Difícil não se identificar com esse texto,afinal,todos nós guardamos lembranças em nossas vidas.
O que é muito triste é que as lembranças materiais muitas vezes superam as lembranças emocionais.
Beijo

Madre