Visitar o passado é uma tarefa comum a todos nós. Quem nunca recordou um momento, escutou novamente uma música ou assistiu muitas vezes um filme para experimentar quais sentimentos o acompanhariam?
Seja um local físico ou uma lembrança, tal como uma flor guardada entre as páginas de um diário ou a recordação de uma viagem, o passado remete a uma série de sentimentos. Mas seriam estes sentimentos sempre os mesmos ou estariam todos em constante mutação?
“Visitar o passado é como uma porta que se abre diante de uma estrada cheia de caminhos e, por mais que se repita a viagem, um caminho nunca será igual ao outro”.
Este é um ponto de vista semelhante ao meu e que nunca encontrei tão bem sintetizado quanto nesta frase. Isso me intriga já faz muito tempo!
Quando era pequeno e minha família decidiu demolir nossa casa no sítio em Jundiaí para construir a casa atual lembro-me de ter visitado a obra várias vezes. Numa dessas visitas ajudei os pedreiros a derrubarem uma das paredes do quarto dos meus pais. Ali seria, futuramente, o banheiro do meu próprio quarto.
Quando a parede veio abaixo num estampido seco sobre o concreto percebi, como uma criança preocupada, que havia derrubado a parede de casa. Um prego amassado que sustentava o quadro sobre a cabeceira da cama dos meus pais caíra bem perto do meu pé. Corri para casa, coloquei-o dentro de um envelope de lembranças no criado mudo e, inevitavelmente, durante várias arrumações, encontrei aquele prego novamente. Lembro-me de já ter sentido por ele compaixão, alegria, tristeza, saudades, amor, pena e, finalmente, vergonha por guardar um prego velho e enferrujado. Um prego tão velho que nem parece mais importante.
Um dia decidi jogá-lo fora. E o fiz. Naquele momento não houve sentimento. O prego já tinha sido visitado o suficiente e fora para o lixo.
Se arrependimento matasse, aquele prego ainda estaria comigo. Dei a ele um presente mais digno. Ninguém deseja ser, para sempre, um prego amassado.
Alguns anos depois, visitando o velho envelope, decidi que não queria mais saber do passado. Percebi que as pessoas que o visitam constantemente acabam se enganando em relação aos seus próprios sentimentos.
É visceral observar alguém que se depara com a sua própria história. Nunca podemos repeti-la com exatidão. Os momentos chegam até nós como numa brincadeira de telefone sem fio e quem brinca conosco é um bando torto de sentimentos.
Hoje, quando observo pessoas bebendo do riacho das “águas passadas” e sentindo-se culpadas, gosto de imaginar que decoraram um caminho sujo, longo e nebuloso demais para fazer suas visitas ao passado. E a cada visita o caminho difere do anterior. Raramente difere o suficiente para que o passado se perca ou seja deixado para trás.
Por mais que o passado pareça estático, não é.
Não é estático por que o caminho até ele muda o tempo.
Assim, uma flor em um diário não é apenas uma flor seca entre páginas de histórias.
É um caminho percorrido várias vezes.
Ida e volta.
O suficiente.
Até, enfim, torna-se apenas uma flor seca a ser retirada dali.